Amor que sustenta: entre sentir e ser possível
- Patrícia Azevedo
- 28 de mai.
- 2 min de leitura
É comum escutar que o amor supera tudo. Romances, filmes e músicas reforçam essa ideia com frequência quase hipnótica. Mas, na prática clínica (e na vida real), percebo que o amor, sozinho, não sustenta uma relação.
Relacionamentos amorosos duradouros exigem muito mais do que sentimento. É preciso disponibilidade emocional, responsabilidade afetiva, desejo de convivência, respeito às singularidades e, sobretudo, maturidade para atravessar os momentos difíceis sem transformar o outro em inimigo. Amar alguém é, também, suportar a frustração de que essa pessoa não será como gostaríamos. É aprender a lidar com as diferenças sem tentar moldá-las às nossas expectativas.
O problema é que muita gente ainda entra em um relacionamento como quem entra em um serviço sob demanda: esperando respostas rápidas, atendimento 24 horas e zero falhas. Quando a realidade se impõe — com silêncios, limites, desacordos e cansaços —, o encanto desaparece. E aí surge a pergunta: “Será que eu amo mesmo essa pessoa?”. Talvez a pergunta mais honesta fosse: “Será que eu sei sustentar o que sinto?”.
Nos dias de hoje, em que tudo é substituível, o relacionamento virou um produto. Queremos intensidade, mas sem o peso do compromisso. Queremos paixão, mas sem as renúncias que o afeto exige. Queremos alguém que nos complete, mas esquecemos que é impossível se encontrar no outro sem antes ter se procurado em si.
Por isso, não se trata apenas de encontrar a "pessoa certa". Trata-se de aprender a ser uma pessoa possível para alguém. De estar disposto a construir, não consumir. Amar é uma ação, não uma garantia.
Se o amor é o que nos une, são os acordos, os gestos cotidianos e a ética do cuidado que nos mantêm juntos. E, às vezes, o mais amoroso a se fazer é aceitar que não basta sentir — é preciso saber sustentar.
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