Como psicóloga clínica especializada em Avaliação Psicológica para Cirurgia Bariátrica, minha função envolve a análise cuidadosa dos candidatos à cirurgia para determinar se atendem aos critérios indispensáveis. Isso inclui uma avaliação detalhada do histórico de ganho de peso, a duração do enfrentamento do problema da obesidade, a dinâmica familiar, as condições psicológicas e emocionais necessárias para enfrentar o processo, além de avaliar o suporte crucial fornecido pela família.
"Eu sempre fui uma criança gorda". Escuto essa frase com frequência quando pergunto para as pessoas que estou avaliando sobre a história delas com o peso. A maioria relata que os desafios com a balança começaram na infância. Pessoalmente, não me identifico com essa fala; fui uma criança magra e atlética. Ao passar pela avaliação psicológica para minha cirurgia, expliquei ao psicólogo que minha trajetória como pessoa obesa teve seu início na adolescência, embora o ganho de peso tenha se manifestado apenas na fase adulta.
Eu sempre fui uma criança ativa. Dediquei-me à natação por seis anos consecutivos, praticando uma hora diária, exceto nos finais de semana. Além disso, participei ativamente das aulas de educação física, envolvendo-me na prática de diversos esportes e desfrutei de brincadeiras que demandavam movimento, como corrida, vôlei e pique-esconde.
No que diz respeito à alimentação, adotei hábitos saudáveis. Embora não tenha seguido uma dieta restritiva, a despensa familiar não era repleta de guloseimas ou alimentos gordurosos. Optávamos por uma dieta que considero "normal": pão, queijo, carne, ovos, macarrão, legumes, saladas, arroz, feijão, quitandas, entre outros. Em resumo, consumíamos alimentos típicos do cotidiano de uma família brasileira.
Entretanto, recordo-me de como o tema do peso corporal era uma constante em minha família. Uma pressão incessante por magreza pairava sobre todos, levando os membros a experimentarem dietas e recorrerem a substâncias para emagrecer ou manter o peso. Curiosamente, essa dinâmica não refletia a imagem que se poderia esperar. Ao contrário, a maioria das pessoas era gorda ou "gordinha", em uma busca incessante pelo corpo magro. Surgia assim uma espécie de política velada, na qual a regra era comer livremente, desde que a insatisfação com a autoimagem persistisse e a determinação para tentar mudar não fosse abandonada.
A sustentação dessa política acontecia por meio de comentários lamuriosos sobre os próprios fracassos em dietas, juntamente com críticas disfarçadas de preocupação, humor ou conselhos acerca do corpo de outros membros da família. Atualmente, tenho consciência de que essa dinâmica familiar sempre gerou inseguranças em relação à minha própria imagem e reconheço que meu desejo de pertencimento talvez tenha exercido influência sobre o que estava por vir em minha trajetória.
Aos dez anos, meus pais, minha irmã e eu nos mudamos de Goiânia - GO para Uberlândia - MG. Com essa transição, minha vida passou de ativa para ociosa: a natação foi interrompida, as brincadeiras que envolviam atividades físicas tornaram-se cada vez mais raras e, gradativamente, me tornei sedentária. No que tange à alimentação, os hábitos em casa permaneceram inalterados. Contudo, comecei a desenvolver uma consciência mais aguçada sobre o que e quanto eu consumia. Devo admitir que essa tomada de consciência foi um processo um tanto problemático, pois, embora não ingerisse grandes quantidades de alimentos nem adotasse uma alimentação nutricionalmente pobre, à medida que entrei na adolescência e meu corpo passou por transformações, as críticas à minha aparência se tornaram um desafio. A partir desse momento, comecei a me achar gorda e a acreditar que eu comia muito.
Aos 15 anos, pesava 75 quilos, media 1,77 metros e usava roupas tamanho G ou 42/44, dependendo do corte. Refletindo de maneira objetiva sobre esses dados e ao examinar fotos do passado, percebo que, na verdade, era uma jovem magra, embora não possuísse o biotipo de modelo - o que era algo impossível para mim devido a questões genéticas. Meu corpo refletia o estereótipo típico da mulher brasileira: cintura fina, bumbum avantajado e uma estrutura corporal levemente corpulenta.
Contudo, eu me via como alguém enorme. Minha autoestima estava em baixa, a confiança em mim mesma era inexistente e eu me sentia feia e com excesso de peso. Com uma frequência considerável, membros da minha família reforçavam a ideia de que eu precisava perder alguns quilos e faziam isso por meio de brincadeiras, indiretas ou comentários diretos e ofensivos. É difícil colocar em palavras a vergonha que eu sentia em relação a mim mesma ao ouvir os comentários recorrentes sobre meu peso e minha aparência. Cheguei até a evitar encontros com algumas pessoas e visitas à casa de familiares, tudo por constrangimento em relação à minha forma física.
Em um certo dia, ouvi na televisão que a modelo Gisele Bündchen tinha a mesma altura que eu e pesava 55 quilos. Essa informação, por si só, solidificou em minha mente adolescente a crença de que eu era realmente pesada demais. A partir desse momento, estabeleci como meta emagrecer 20 quilos para pesar o mesmo que ela, na esperança de, finalmente, ocupar o espaço de uma pessoa magra na minha família, fazendo cessar as críticas e o bullying comigo.
É interessante refletir sobre o quanto eu assumia a responsabilidade de evitar qualquer comentário negativo sobre mim, chegando ao ponto de acreditar que, se quisesse escapar de observações sobre meu corpo, precisava transformá-lo. Naquela época, jamais me ocorreu considerar a possibilidade de que essas pessoas estivessem equivocadas em suas atitudes e que deveriam, na verdade, respeitar a minha individualidade. A ideia de que a política velada de insatisfação com os corpos, adotada pela família, poderia ser prejudicial também nunca cruzou minha mente.
Contudo, como poderia esperar tal grau de discernimento de uma adolescente que cresceu em um ambiente onde a insatisfação com a própria imagem e os comentários sobre o corpo alheio eram, praticamente, norma?
Aos 17 anos, após diversas tentativas frustradas com dietas e o uso de laxantes, tomei a decisão de procurar uma endocrinologista. Lembro-me vividamente do momento, estando prestes a ingressar na faculdade ou já no primeiro período do curso. Até recordo as roupas que estava usando naquele dia: uma camiseta cavada branca justa, calça jeans escura flare, cinto preto e tênis. Meu corpo cinturado, que não apresentava nenhum problema real, foi o foco da consulta. A médica prescreveu uma dieta padrão de 1.200 calorias por dia e receitou Sibutramina.
Iniciei o tratamento com o medicamento, que provocou uma série de efeitos colaterais. Embora não me recorde precisamente quais eram, lembro-me de experimentar taquicardia e suor excessivo. Naquela época, esses efeitos pareciam insignificantes diante da perspectiva de, finalmente, alcançar a magreza desejada.
Não consigo determinar exatamente por quanto tempo tomei o remédio, mas acredito que tenha sido apenas por alguns meses, o que foi acompanhado de tentativas frustradas de comer apenas a quantidade de calorias prescritas no dia. A perda de peso foi de 5 quilos, indo de 75 para 70 quilos. Porém, essa oscilação entre esses dois pesos era algo comum em minhas tentativas anteriores de dieta e, sem o remédio, possivelmente eu teria alcançado o mesmo resultado.
Aos 18 anos, durante o segundo período da faculdade, iniciei um relacionamento com meu atual marido. Eu mantinha a mesma estrutura geral de corpo, mas o namoro desencadeou uma mudança significativa nos meus hábitos alimentares. Nossa rotina frequentemente envolvia sair para comer ou pedir delivery, levando minha alimentação de uma abordagem básica e nutritiva para uma escolha mais pesada, gordurosa, rica em açúcares, aditivos e ingredientes artificiais. Nesse ponto, eu já havia interrompido o uso da Sibutramina, mas nada poderia me preparar para as transformações que estavam por vir em meu corpo.
O efeito rebote, ou sanfona, caracteriza-se pelo ganho de peso excessivo após um período de emagrecimento, sendo um dos problemas associados ao uso da Sibutramina. No ano seguinte à interrupção do medicamento, retornei rapidamente aos 75 quilos. No entanto, em pouco tempo, meu peso aumentou para 80 quilos.
Ao longo da minha jornada de ganho de peso, que, fisicamente, estendeu-se dos 17 aos 30 anos, embora emocional e psicologicamente tenha começado bem antes, recordo-me vividamente da sensação de alcançar diversos marcos na balança: a primeira vez que atingi 80 quilos, a primeira vez que alcancei os 90, o momento em que ultrapassei a marca dos três dígitos e, finalmente, o peso de 114 quilos. Foi a partir desse ponto que busquei ajuda médica para lidar com a obesidade.
Durante esses 13 anos, experimentei variadas abordagens para emagrecimento, incluindo dietas, exercícios, medicações e shakes. Encontrei-me presa em um ciclo repetitivo: iniciava um tratamento para perda de peso, conseguia emagrecer alguns quilos, abandonava o tratamento e, eventualmente, recuperava não apenas os quilos perdidos, mas talvez alguns extras.
Curiosamente, após atingir um determinado peso, os membros da minha família simplesmente deixaram de comentar sobre o meu corpo. Enquanto eu mantinha uma figura esbelta, parecia aceitável desrespeitar-me. No entanto, após ganhar peso e tornar-me obesa, percebia olhares críticos e julgadores, muitas vezes disfarçados de preocupação. Mas, de maneira geral, não diziam nada; as palavras eram escassas. Por mais que silenciá-los fosse algo que eu havia desejado profundamente, a crítica velada e o silêncio condescendentes eram angustiantes.
Aos 27 anos, agreguei exercícios físicos à minha rotina. Deixei de ser sedentária e tornei-me levemente ativa, dedicando-me especialmente a exercícios aeróbicos e participando de aulas de Step, Power Jump, Body Pump, Bike e danças. Essa mudança contribuiu para conter o ganho de peso - embora não estivesse emagrecendo, consegui interromper o aumento.
No ano em que celebrei meus 29 anos, em setembro, com um peso de 103 quilos, sofri uma torção no joelho durante uma aula de Zumba, resultando na ruptura do ligamento posterior do joelho direito. Após esse episódio, fui obrigada a abandonar por completo os exercícios e, em questão de cinco meses, ganhei mais de 10 quilos, alcançando a marca de 114 quilos.
A lesão no joelho trouxe consigo uma profunda tristeza. Mesmo hoje, ainda enfrento algumas dificuldades e inseguranças decorrentes desse incidente, privando-me de atividades que gostaria de realizar com receio de me machucar ainda mais. No entanto, reconheço que essa adversidade transformou positivamente minha vida, pois a partir dela, admiti que a obesidade é uma doença progressiva, tanto no surgimento de problemas correlatos quanto no aspecto do ganho de peso. A constante reflexão sobre "quão gorda eu vou ficar?" perturbava-me profundamente e a impossibilidade de realizar exercícios foi, simultaneamente, assustadora e motivadora. Diante desse cenário, fui impulsionada a buscar o tratamento da obesidade por meio da cirurgia bariátrica. Assim, às vésperas dos meus 30 anos, comecei a reescrever minha história.
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